Nenhum meteorologista, com um mínimo de bom senso ou responsabilidade, faria um prognóstico de chuva de 500 milímetros sem um dado sequer que respaldasse a previsão. E jamais se viu um modelo numérico, tecnologia mais avançada no planeta para projeção de chuva, indicar 500 milímetros de chuva em tão-somente oito horas para uma área aqui no Brasil. Jamais. Para a tarde e noite de quarta-feira de Cinzas, o modelo americano GFS indicava não mais que 30 milímetros para aquela área. Numa saída, na véspera, o modelo rodado pelo Centro Europeu chegou a sugerir chuva forte, mas dentro dos parâmetros comuns de 50 a 75 milímetros. Outra tese que correu a mídia é que existissem modelos de maior resolução (fala-se muito no novo modelo do INPE) e se poderia prever a chuva extrema de São Lourenço. Pois, o modelo de grande resolução do Inmet (7km) não indicava tampouco chuva forte para a área.
O evento que levou à tragédia de São Lourenço, ademais, foi incrivelmente isolado. Na área urbana do município, somente veio a chover forte quando tudo já estava inundando, na manhã da quinta. O dilúvio se deu no interior do município. Tratou-se assim de uma ocorrência de microescala. Como é um tornado. Não se é capaz de dizer onde um tornado vai se formar exatamente. Nos Estados Unidos, onde tecnologia ou sofisticação não é problema, conforme um levantamento recente, alertas de tornados, acabam virando um "alarme falso" em 75% das vezes.
O argumento que a tecnologia de radar poderia antecipar com antecedência o episódio de São Lourenço é falacioso, já que o radar, tal como ocorre com fotos de satélites, apenas mostra condição momentânea. Não indica quanto choverá em seis ou doze horas a frente numa área. Rede de superfície, com medições de volumes de chuva em tempo real, se por um lado em nada auxiliaria para prever que ocorreria uma chuva extrema, por outro poderia registrar a precipitação extrema e permitir informar que enorme volume de água rumava pelo Rio São Lourenço para a cidade.
Vamos supor que tivéssemos dez radares no Rio Grande do Sul e uma estação automática a cada quilômetro no Estado na mais completa rede do mundo. O meteorologista, que está no centro de operações em Porto Alegre, enxergaria o dado assustador de chuva no interior de São Lourenço do Sul. E o que faria para alertar toda a população de forma imediata nas zonas urbana e rural, Prefeitura, Bombeiros, Defesa Civil, Polícia Rodoviária, Brigada Militar, concessionárias de rodovias, etc, no meio da madrugada ? Morreria gente igual porque não temos um sistema de comunicação de emergência de massa e que possa levar informação de forma instantânea. Nem em muitas cidades do Corredor dos Tornados dos Estados Unidos há sirenes.
O que ocorreu em São Lourenço do Sul foi convecção (ar quente e úmido) associada a uma área de baixa pressão que formou uma nuvem muito carregada isolada que despejou grande volume de chuva de forma extremamente localizada, muito similar ao que se deu no interior de Dois Irmãos, na tragédia do Sítio da Fazenda Lima. Esta área de baixa, no dia seguinte (10/3) evoluiu, no entendimento da MetSul Meteorologia, para um ciclone. O efeito de orografia, como sugerido por alguns, em nossa avaliação, é da mesma forma desprezível e comparações que chegaram a ser feitas com o caso de Blumenau em 2009 absurdas. As elevações do terreno na região sequer se comparam às existentes no Leste catarinense. Ademais, tivesse sido orografia fator para a chuva preponderante para a chuva extrema, como se explicaria que Rio Grande, em planície e cercada de terreno plano por todos os lados, registrou 200 milímetros no dia 10.
A imagem de radar mostrava nitidamente a rotação e a banda principal de instabilidade associada ao sistema. Imerso o centro de baixa fechado em superfície numa massa de ar quente com suporte em altura de uma baixa fechada em níveis médios (centro frio), o que se tinha era um ciclone subtropical que rapidamente se dissipou no dia 11 à medida que avançou para o Sul e perdeu o suporte em altura. Nenhum modelo global ou regional, na véspera ou nos dias que antecederam o desastre em São Lourenço indicava ciclone, o que é raro de ocorrer, uma vez que tais sistemas de escala sinótica, em regra, costumam ser antecipados por modelagem numérica. Houvesse o indicativo pelos modelos da formação de um ciclone subtropical e se poderia sim se especular de evento extremo de chuva, já que o histórico deste tipo de sistema mostra tais ocorrências na mesma região (janeiro de 2009 e novembro de 2010). Interessante é que a instabilidade chegou a apresentar contornos de um sistema de nuvem vírgula invertida, mas nossa análise final não mostrou ter sede esta a causa da instabilidade extrema.
Enfim, o que é crucial ficar de lição deste episódio é que a despeito de todos notáveis avanços e da capacidade de se antecipar fenômenos com antecedência importante, algumas ocorrências, sobretudo de microescala (bastante isoladas) ainda seguem no terreno da imprevisibilidade na Meteorologia. Na Geologia, então, a previsão de sismos é um enorme desafio. É o imponderável da natureza. Nem a Sismologia nem a Meteorologia conseguem ter todas as respostas e satisfazer todos os anseios da sociedade, mesmo envidando os melhores esforços.
Fonte: MetSul Meteorologia
Adaptação: MeteoMont
O presente post foi retirado do blog MeteoMont http://meteomont.blogspot.com/
Os meus agradecimentos ao amigo Daimar Korndörfer Coelho!
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