quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

No coração...

A época era outra. Era no tempo em que os nobres andavam de carruagem e as roupas exibiam detalhes em renda e veludo. As ruas eram pavimentadas em pedra e iluminadas por lampiões. Era um tempo em que os rapazes cavalgavam e se exibiam em jogos de habilidade e força e as moças casadoiras olhavam com interesse para esses jovens nas festas e bailes da sociedade, na esperança de um bom casamento.
Era costume a moça deixar cair ou atirar o seu lenço em direção ao pretendido, a fim de chamar sua atenção e dar início a um namoro. Os encontros eram marcados por reverências de ambas as partes. As moças abaixavam suavemente o corpo, deixando encostar no chão os longos e belos vestidos rodados. Já os rapazes, inclinavam a cabeça e tiravam o chapéu, em um sinal de respeito e admiração pela beleza das jovens donzelas.
Um belo dia, o país entrou em guerra. Além do exército normal, foram convocados todos os jovens em idade de serviço militar para defender as fronteiras do país nas trincheiras encravadas nas pradarias do norte. Exército enfileirado e soldados equipados, começa o desfile das tropas em direção ao porto para o embarque no navio que os conduziria à frente de batalha. Uniformes impecáveis, mochila e bolsas com pólvora e balas de chumbo transformavam aqueles jovens em soldados prontos para a guerra. Ao ombro, levavam os longos e reluzentes mosquetões guarnecidos por uma longa baioneta. Estavam prontos para a batalha. A multidão, enfileirada ao longo das ruas que conduzem ao porto, promove um festivo ato de apoio, saudando os bravos soldados que irão defendê-los, fazendo frente aos inimigos.
Ao passar por sua amada, que entre lágrimas e sorrisos o aguarda, o jovem soldado a fita nos olhos, na esperança de ouvir alguma coisa que lhe dê forças para a jornada. Ela, em um gesto rápido, lhe atira o lenço perfumado e grita que o ama. Ele, entre um misto de atônito e feliz, grita a plenos pulmões que assim como o lenço, ela estará sempre junto de seu coração.
O navio, movido por longas e altas velas, se afasta e só deixa os soldados alguns dias depois em um ponto onde o barulho dos canhões e dos mosquetões já pode ser ouvido. Colunas de fumaça se erguem e a correria das tropas é enorme. Nas enfermarias improvisadas em barracas, se empilham os feridos. Os mortos são enterrados ainda no cenário das batalhas.
Os dias e as semanas se passam e os entreveros se tornam cada vez mais sangrentos. Ao tentar ganhar uma posição mais próxima da linha inimiga, nosso personagem é atingido por uma bala na altura do peito.
A dor é implacável e o sangue jorra sem cessar. Socorrido por seus companheiros, é arrastado de volta para a trincheira. Em meio ao delírio que já se faz presente, ele chama pela amada. Pronuncia seu nome, a princípio em voz baixa, depois aos gritos na esperança de ser ouvido por ela. Ansiosos por conter a hemorragia e sem um médico por perto, a única coisa que encontram no bolso do ferido é o lenço oferecido pela bela donzela, ainda levemente perfumado. Sem outra opção, se utilizam dele para tentar estancar o sangue que brota da ferida aberta no peito. Não adiantou. Alguns minutos depois, nosso jovem soldado morre. Mas como prometera, manteve junto do coração o lenço perfumado e o nome da amada nos lábios.
A promessa fora cumprida.

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