segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Gurizada fandangueira: boletim de ocorrência


Gurizada é uma forma afetiva de se referir aos jovens no Rio Grande do Sul. Fandango é dança, música, diversão… Grande era a vontade de se divertir naquela noite.


Na boate Kiss, naquela noite, “Gurizada Fandangueira” era o nome da banda que ia tocar. Eles costumam usar fogos de artifícios no show deles. Tudo para divertir a gurizada.

Kiss kiss kiss kiss kiss
Grande era a vontade de se divertir

A gurizada fandangueira, a banda e a plateia, só queriam se divertir no sábado à noite. Mas acabou ocupando o domingo. E a segunda. E a terça… E a semana… E a vida inteira dos amigos, da família e de muita gente.

A mídia queria entender rápido o que tinha acontecido. Tempos rápidos, os vividos pela mídia, por aquela gurizada, por todos nós.

Entender rápido. E acertar rápido. E errar rápido. Aprender e errar. E assim aprender rápido. É coisa trivial para a gurizada fandangueira.

Fazer tudo rápido é necessidade para a mídia, que para sobreviver aos novos tempos velozes, precisa entender e conquistar a gurizada fandangueira.

104 ligações não atendidas ficaram registradas no smartphone da garota que virou estatística do incêndio. Eram do pai, sonhando que a filha atendesse o chamado longe da fumaça tóxica da Kiss.

Não era um, não eram dois… Eram centenas de celulares tocando, ao lado dos corpos, no chão da boate, declarou o Coronel da Polícia, ainda zonzo de calor e frustração. “Uma orquestra macabra”, completou ao microfone da rádio.

A mídia precisa transmitir cada vez mais rápido os acontecidos. Um comunicado “oficial” falso dos donos da balada colocado num perfil fake de Facebook acabou lido e divulgado em rede nacional. Com a mesma pressa, a mídia também divulgou as notas de pesar e as visitas das autoridades, com seus semblantes solenes, à cena da tragédia. Todos empenhados em demonstrar suas agilidades.

Tempos velozes, os dessa gurizada. Uma velocidade tamanha que não deu tempo de renovar, nem de fiscalizar, o alvará, que estava irremediavelmente vencido. Agora é tarde, muito tarde.

(Quantos alvarás vencidos põem em risco, neste exato instante, a vida de milhões de jovens, velhos e crianças pelo Brasil? Assunto para nossa próxima investigação, no próximo bloco, depois dos comerciais… Fique ligado… Stay tuned… Stay…)

As autoridades estão ocupadas com o crescimento acelerado. E com as eleições sempre na pauta da mídia veloz e onipresente. Daí a falta de tempo para falar do alvará. Daí a falta de tempo para falar do que demora, como, por exemplo, de Educação. Daí a falta de tempo para treinar (ou seria educar?) os seguranças da Kiss, hiper zelosos em impedir a saída de quem tenta sair sem pagar.

Naquela noite, a gurizada fandangueira não queria sair sem pagar. Só queria sair porque estava quente. Quente era o beijo das chamas. Quente e macabra era a dança dos corpos na pista de dança da Kiss.

A gurizada fandangueira só buscava uma saída. Como cada um de nós busca uma saída para conviver com a brutal realidade da gurizada que não pode estudar direito nem se divertir tranquila num sábado à noite no Brasil.

Texto retirado do Blog do Tas

http://blogdotas.terra.com.br/2013/01/28/gurizada-fandangueira-boletim-de-ocorrencia/

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom,este texto!Abraço solidário!
Su